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Vivendo Sem Moral

  • victoriasolare0
  • 7 de ago. de 2024
  • 4 min de leitura

Atualizado: 8 de ago. de 2024


"Vivo sem qualquer tipo de moral."


Quando fui confrontada com essa afirmação, imaginei um hedonista descontrolado, buscando satisfazer seus interesses pessoais sem se preocupar com nada ou ninguém. 


Esse post não é sobre isso.


https://en.wikipedia.org/wiki/The_Garden_of_Earthly_Delights
Hieronymus Bosch - De Tuin Der Lusten (1504)

A moral e os valores pessoais são coisas distintas. Aqui, viver sem moral significa viver livre de julgamentos ou condenações. Fiquei intrigada com essa ideia, que, quando apresentada por um amigo, despertou em mim tanto desconforto quanto admiração. Decidi aceitar esse conceito como verdade e, a partir disso, elevá-lo a um ideal.  


Viver sem moral não significa viver sem ética, mas sim questionar as normas que ditam nossas vidas e as motivações por trás das nossas ações. O intuito é transcender o moralismo superficial para alcançar autenticidade. Manter-se fiel a seus valores significa respeitar a si mesmo e aos outros. Por outro lado, a moralidade como construção social pode e deve ser questionada.


A moralidade se adapta conforme a sociedade avança, influenciando os padrões de comportamento. Sabe-se que, desde os primórdios da civilização, pensadores desafiaram as normas morais. Sócrates, com seu método dialético, desafiou as leis de Atenas; Nietzsche, denunciou a moral cristã como uma restrição à liberdade humana. O questionamento da moralidade não é uma moda, mas sim uma parte vital do progresso intelectual e social.  


O grande defensor da moral: o conservadorismo, há muito tempo sustenta os ideais de família, trabalho e religião, criando um inquestionável valor social ao longo dos séculos, mas, ao mesmo tempo, permitindo a violência advinda do abuso de poder. Hoje, vivemos em uma era onde as principais instituições são questionadas e as normas sociais se tornaram mais flexíveis. Isso permitiu a coexistência de diversos grupos e promoveu uma cultura mais justa e igualitária ao conceder direitos a comunidades historicamente perseguidas.


The trial of Galileo Galilei before the Inquisition, 1633 (17th century Italian school)

Muitos conservadores temem uma suposta degeneração da conduta social provocada por uma aversão à tradição. Não posso dizer que as recentes mudanças nas estruturas sociais sejam inteiramente positivas; a psicanálise aponta que a superficialização dos laços e compromissos deixa o indivíduo mais vazio e solitário, sendo fonte de sofrimento na contemporaneidade. Ainda assim, questionar essas estruturas pode contribuir para o aprimoramento das mesmas tradições. Comparo a evolução cultural a um pêndulo, balançando entre extremos antes de encontrar equilíbrio; com a liberdade social colocando essas instituições à prova, idealmente, as tradições preservadas serão aquelas atreladas a valores, não à moral, guiadas por um propósito e não por pressão social. Imagine uma sociedade que protege a família, cujos pais amparam os filhos, honra o casamento que é regido pelo amor, dignifica a religião enquanto ela beneficia o indivíduo e a comunidade, e reverencia o trabalho que cria valor para o trabalhador e para o mundo.


Ao abandonar julgamentos e projeções, abrimos espaço para ouvir com generosidade, onde confiamos nas intenções positivas dos outros, em vez de focar em suas possíveis falhas. Essa escolha nos permite alcançar uma empatia profunda, que não se limita a se imaginar na posição do outro, mas a respeitá-lo em seu contexto, em sua própria trajetória. Ter humildade na escuta significa reconhecer que, mesmo quando temos convicção sobre nossas escolhas e valores, a verdade não é nossa propriedade individual.  


No âmbito das relações pessoais, essa mentalidade tende a nos favorecer significativamente, já que a nossa relação com o outro é um reflexo da nossa relação com nós mesmos. Cada pensamento negativo produz um desconforto interno; aqueles que se apegam a uma visão condenatória carregam o peso da presunção moral, acreditando saber o que é certo e errado. Em contrapartida, as pessoas mais honradas que conheci não exibem um senso de direito à verdade. Quem adota uma postura livre de moralismos desenvolve uma perspectiva mais razoável e realista, considerando os desafios da vida e as influências sociais ao invés de rotular os outros de forma depreciativa. O pensamento compreensivo é um alívio para a consciência.  


Então, devemos relevar nossas falhas e ocultar nossas divergências de opinião? Esse não é o ponto. O objetivo é abster-se de julgamentos e condenações, mas isso não significa evitar a autorresponsabilidade e a conscientização do outro. Honestamente, eu me sentiria angustiada em assistir passivamente à repetição dolorosa dos "erros" daqueles que amo, mas, enquanto o discurso condenatório tende a provocar reações defensivas, o respeito à liberdade de quem está ao seu lado favorece uma comunicação eficiente. Que tal levantar questões que ajudem o outro a encontrar suas próprias respostas? Fornecendo informações para que ele tome decisões conscientes de suas possíveis consequências, sem imposições, orientando-o em direção ao seu ideal particular

 

Demorei a perceber que não cabe a mim ensinar as pessoas a se importarem umas com as outras, pois isso é uma questão profundamente individual. Cada um carrega o seu próprio “código moral” e, por isso, tais tentativas são, na maioria das vezes, contraproducentes.


A imposição da nossa conduta é uma tentativa de aprisionar o outro; é preciso se esforçar para inibir a reprodução de pensamentos que foram repetidos durante anos, mas libertar a consciência da prisão dos julgamentos proporciona uma experiência psíquica mais pacífica, enquanto a norma de rejeitar tudo aquilo que é diferente perturba a mente e fere as relações.


A liberdade é incompatível com a desonestidade, e a inabilidade de reconhecer nossas sombras é um dos nossos traços mais destrutivos. Se optarmos por nos afastar de todos aqueles considerados “moralmente corrompidos”, acabaremos não apenas isolados, mas também desconectados de nós mesmos.  


"Pensar é difícil, é por isso que a maioria das pessoas prefere julgar."  

— Carl Jung


The Cranberries - "Animal Instinct"


Victória Solare


 
 
 

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